terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

SOFRIMENTOS DE CRISTO, OS



SOFRIMENTOS DE CRISTO, OS – O apóstolo Pedro nos diz que as Escrituras do Velho Testamento têm dois grandes temas em relação a Cristo – “os sofrimentos que haviam de vir a Cristo, e as glórias que os seguiriam” (1 Pe 1:11 – TB). Olhando mais de perto para os sofrimentos de Cristo, a Escritura indica que existem pelo menos cinco tipos diferentes:

1) Seus sofrimentos intrínsecos


O Senhor Jesus sofreu porque era um Homem santo. Sendo “Deus manifestado em carne” (1 Tm 3:16), toda a essência ou constituição da Pessoa de nosso Senhor Jesus era da mais infinita santidade. O anjo que falou a Maria, antes de Sua encarnação, disse: “o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus” (Lc 1:35). Após a Sua morte e ressurreição, os apóstolos oraram a Deus, dizendo: “Teu Santo Servo Jesus, ao Qual ungiste” (At 4:27).
Quando o Senhor condescendeu[1] a entrar neste mundo, entrou em uma cena cheia de pecado e impureza. O mundo inteiro foi poluído pelo pecado, moral, espiritual e fisicamente. Era uma cena totalmente estranha à Sua santa natureza. Por isso, sendo o Homem santo que Ele era, sofreu por estar em tal ambiente de corrupção. Embora tenha entrado em contato com o pecado e os pecadores, Ele nunca foi pessoalmente contaminado por eles – Ele permaneceu “imaculado” (Hb 7:26). Se Ló “enfadou, [afligiu –ARA] a sua alma justa pelo que viu e ouviu em Sodoma quando estava tão distante de Deus moralmente (2 Pe 2:7-8), o que o Senhor deve ter sofrido quando passou por um mundo como este!

2) Seus sofrimentos por empatia


Além de sofrer por estar na constante presença do pecado, o Senhor Jesus também sofreu por causa de Seu profundo amor pelas pessoas. Ele Se preocupava com empatia com qualquer pessoa que estivesse sofrendo sob as consequências do pecado no mundo. Isso é evidente de várias maneiras:
a) O Senhor sofreu em relação ao que o pecado tinha feito às Suas criaturas fisicamente (no corpo delas). Quando viu pessoas afligidas com alguma doença ou enfermidade, Seu coração estava com elas em sua aflição. Em perfeita empatia, sentiu em Sua própria alma as dores de Suas criaturas e sofreu com elas (Is 53:4; Mt 8:17). Um exemplo disto foi na cura do homem surdo e mudo (Mc 7:31-37). Diz que o Senhor “suspirou” – indicando que Ele sentiu o sofrimento que aquele homem estava passando em sua aflição – e então Ele abriu os ouvidos do homem e soltou sua língua. J. N. Darby observou que o Senhor nunca curou uma pessoa doente sem antes sentir o peso dessa doença como fruto do pecado. Por isso, não foi fácil para Ele esticar a Sua mão e dizer ao leproso: “Sê limpo” (Mc 1:41), porque cada vez que Ele curava uma pessoa, Ele levava o fardo dessa tristeza em Sua própria alma. Assim, foi corretamente dito que “Ele levou em Seu espírito o que Ele tirou pelo Seu poder”.

b) O Senhor também sofreu por causa do que o pecado havia feito na vida das pessoas emocionalmente. Embora alguns possam não ter sido atingidos pessoalmente com doenças, mesmo assim os efeitos dessas coisas naqueles a quem conheciam e amaram, produziram tristeza e sofrimento neles. O Senhor teve empatia com todos eles. Um exemplo disso é o caso de Maria e Marta, quando seu irmão havia morrido (Jo 11). A doença e a morte não as haviam tocado, mas estavam com grande tristeza por essa causa (vs. 31-33a). Em empatia com elas em sua prova, o Senhor “moveu-Se muito em espírito, e perturbou-Se” (v. 33b). Ele sentiu profundamente a situação delas e “chorou”[2] no túmulo de Lázaro (v. 35).

c)  O Senhor também sofreu em conexão com as tristezas do remanescente judeu num futuro dia. Não só sentiu as dores daqueles que estavam ao Seu redor, mas também sentiu as dores daqueles que sofrerão por sua fidelidade na futura grande tribulação. No momento da última ceia, quando Satanás entrou em Judas, “o filho da perdição”, os pensamentos do Senhor foram projetados para o futuro quando o remanescente judeu sofreria por causa da justiça sob a perseguição do futuro “filho da perdição” – o anticristo (2 Ts 2:3-4; Mt 5:10-12; Sl 69:6-11). Naquele dia de trevas, o anticristo levará a nação à apostasia e perseguirá o remanescente judeu por sua fé e obediência (Mt 24:21-22; Sl 10). Em empatia divina, o Senhor entrou na porção deles e sentiu no Seu coração as dores de rejeição que eles passarão naquele dia (Jo 13:18-21).

d) O Senhor também sofreu com empatia em relação ao castigo do remanescente judeu no dia vindouro. Como parte da nação que é culpada da morte de Cristo – o Messias de Israel – o remanescente experimentará as consequências do seu pecado nacional sob os tratamentos governamentais de Deus. Fazendo parte da nação culpada, necessariamente eles devem ser castigados, mas, no castigo que Ele derrama sobre eles, Ele sente isso juntamente com eles com empatia! (Is 63:9). Tendo em Si mesmo substituído o lugar de Israel diante de Deus (Is 49:1-5), sentiu o pecado de Israel à luz da santidade de Deus, embora Ele mesmo nunca estivesse sob o governo de Deus.

3) Seus sofrimentos antecipativos

A cruz e o seu sofrimento estiveram sempre perante o nosso Senhor. Por toda a Sua senda, Ele os teve diante de Si. Ele podia dizer: “Importa, porém, que seja batizado com um certo batismo: e como Me angustio até que venha a cumprir-se!” (Lc 12:50). Várias vezes o Senhor levou Seus discípulos a parte e disse-lhes que “convinha ir a Jerusalém, e padecer muito dos anciãos, e dos principais dos sacerdotes, e dos escribas, e ser morto e ressuscitar ao terceiro dia” (Mt 16:21, 17:22-23, 20:17-19). Ele falou de Si mesmo como “o grão de trigo” que cairia na terra e morreria (Jo 12:24). Isso levou-O a dizer: “Agora a Minha alma está perturbada; e que direi Eu? Pai, salva-Me desta hora? mas para isto vim a esta hora” (Jo 12:27). Ele antecipou a cruz e seus sofrimentos, e isso O perturbou profundamente.
Quando chegou ao Getsêmani, o tentador veio com todo seu poder em um esforço para aterrorizá-Lo. Satanás pressionou em Sua alma o que significaria ser rejeitado pelos homens e abandonado por Deus. Ele poderia dizer: “torrentes de perdição [Belial – JND] Me amedrontaram” (Sl 18:4 – TB). “Belial” é uma referência a Satanás (2 Co 6:15). No Salmo 102 (“o Salmo do Getsêmani”), vemos o Senhor antecipando o sofrimento na mão de Deus pelo pecado. Sendo a Pessoa onisciente que Ele era, Ele antecipou os sofrimentos da cruz completamente, como nenhuma criatura poderia. O resultado foi que Ele caiu em Seu rosto “em agonia [conflito – JND] e clamou a Deus: “Pai, se queres, passa de Mim este cálice” (Lc 22:42; Mt 26:39). O Senhor poderia ter exercido Seu poder divino e expulsado o demônio, mas permaneceu no lugar de um Homem obediente e dependente, e “orava mais intensamente” (Lc 22:44).

4) Seus sofrimentos de martírio

O Senhor sofreu como um Mártir justo nas mãos dos homens de duas maneiras – no Seu espírito e no Seu corpo (fisicamente):
a) Como resultado do testemunho santo do Senhor neste mundo, Ele sofreu reprovação em Sua alma e espírito. O amor que fez com que Ele ministrasse aos homens aquilo que vinha do celeiro da graça de Deus Lhe trouxe mais tristeza e sofrimento, pois desencadeou o ódio e a maldade nos homens. Quanto mais Ele amava, mais Ele era odiado (Sl 109:5).
Ele sentiu a rejeição dos homens e sofreu em Seu espírito e foi afligido com o que o pecado tinha feito no coração deles, endurecendo-os com incredulidade (Mc 3:2-5, 8:12). Ele também sentiu profundamente a traição de Judas (Jo 13:21; Sl 41:9, 55:12-14) e a deserção de Seus únicos seguidores (Jo 16:32) – particularmente a negação de Pedro (Lc 22:61). Ele também sentiu em Sua alma o engano, os insultos e o escárnio que Lhe foram lançados sobre Si na Sua provação e crucificação (Mt 26:57-68, 27:27-44; Sl 22:6-8). Ele também sentiu a violação da decência humana quando os soldados O despiram e O colocaram na cruz (Sl 22:17-18). E além de tudo isso, Ele levou em Seu espírito a vergonha pela deturpação de Quem Ele representava. O povo O considerou como “aflito, ferido de Deus, e oprimido”. Eles O viram como morrendo justamente sob o julgamento governamental de Deus por ousar dizer que Ele era o Messias. Eles O viram como um impostor, mas não perceberam que Ele era realmente o Messias que estava morrendo pelos pecados deles (Is 53:4-5)!
b) Como resultado do testemunho santo do Senhor neste mundo, Ele também sofreu fisicamente nas mãos de homens ímpios. Em fidelidade e em amor, Ele testemunhou da maldade do homem, e isso O levou a um sofrimento notório (Sl 40:9-10). Ele sofreu contusões dos golpes de uma vara e das palmas das mãos dos homens (Mq 5:1; Mt 26:67, 27:30); ferimentos dos açoites (Is 50:6; Mt 27:26); penetrações da coroa de espinhos (Mt 27:29-30); e perfurações dos cravos nas Suas mãos e pés (Sl 22:16; Mt 27:35). Finalmente, Ele foi “pelas mãos dos injustos”, “crucificado e morto” (At 2:23, 3:13-15, 5:30, 7:52-53, 13:27-29).

5) Seus sofrimentos expiatórios

Finalmente, e o maior de todos, o Senhor sofreu como o divino Emissário do pecado. Todos os outros tipos de sofrimento que o Senhor sentiu não podiam tirar os pecados. Isso só poderia ser feito por meio de Seus sofrimentos expiatórios que Ele suportou nas últimas três horas na cruz (Mt 27:45-46; Mc 15:33-34; Lc 23:44-45). Seus sofrimentos de martírio foi o que Ele sofreu nas mãos de homens ímpios (Sl 69), mas seus sofrimentos expiatórios foi o que Ele sofreu na mão de Deus (Sl 22).
Para fazer expiação por pecado e pecados, o Senhor suportou e exauriu o justo juízo de Deus. A Bíblia indica que Seu grande sacrifício resolveu toda a questão do pecado diante de Deus (Hb 1:3, 9:26, 10:12). Quando o Senhor fez expiação por nossa alma, Ele foi “abandonado” por Deus (Sl 22:1). Sendo “feito pecado” na cruz (2 Co 5:21), Deus, que é santo e “de olhos puros demais para contemplar o mal” (Hc 1:13 – TB), não poderia ter comunhão com Ele. Naquele momento, a comunhão foi quebrada entre essas duas Pessoas divinas. Mas, mesmo quando o Senhor Jesus foi abandonado por Deus, Ele ainda era o objeto da complacência (satisfação) de Seu Pai, porque Ele estava fazendo a vontade de Deus, e isso era agradável a Ele (Is 53:10).
Há duas partes na obra de Cristo na expiação na cruz: a primeira é o lado de Deus, que é chamado de “propiciação” (Rm 3:25; Hb 2:17; 1 Jo 2:2, 4:10). A propiciação realizou para Deus a solução completa para a questão do surgimento do pecado na criação e pelos pecados dos crentes. Assim, a obra consumada de Cristo na cruz atendeu à exigência da natureza santa de Deus, e assim, por ela, as reivindicações da justiça divina foram satisfeitas (Sl 85:10). A segunda parte da obra expiatória de Cristo é para o homem – atendendo à necessidade da culpa do crente. Isso é chamado de “substituição”. Para tirar os seus pecados e culpa, o crente precisa entender que o Senhor tomou o seu lugar na cruz diante de Deus e suportou “Ele mesmo em Seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro” (1 Pe 2:24). O grande resultado de descansar por fé na obra substitutiva de Cristo é que nossa consciência é “purificada” (Hb 9:14, 10:2, 17, 22).
A Bíblia diz: “O trabalho da Sua alma Ele verá, e ficará satisfeito” (Is 53:11). O fruto dos sofrimentos expiatórios de Cristo são muitos para que possam ser enumerados aqui. Toda bênção que Israel, a Igreja e os santos no dia do reino milenar desfrutarão será o resultado dessa obra consumada. (Veja: Expiação)




  [1] N. do T.: Condescendência é a qualidade daquele que voluntariamente cede à vontade de outro.
  [2] N. do T.: A palavra grega “dakruo” usada aqui é aquela para o derramamento de lágrimas silenciosas, e não a palavra “klaio”, usada para lamentações audíveis, conforme Lucas 19:41. Só conhecemos um pouco de toda a imensidão de Seu sofrimento interior daquele momento por essas silenciosas lágrimas derramadas por olhos que nos viram com toda a imensidão do Seu amor.

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