Sermos
perdoados nos teria satisfeito, mas não satisfaria a Deus. Lucas 15 ilustra
essa grande verdade. O pai não estava satisfeito em dar ao filho pródigo o
beijo de perdão – ele o vestiria com a melhor roupa, com um anel e com os
sapatos nos pés, para que seus olhos pudessem descansar sobre seu filho com
complacência (Lc 15:20-23). Assim, aprendemos disso, que Deus trabalha para
efetuar a reconciliação para que possamos ser encontrados em um estado adequado
perante Ele como “santos, e
irrepreensíveis, e inculpáveis” aos Seus olhos, para que Ele possa encontrar o Seu prazer em nós.
Assim, a reconciliação não só inclui o perdão dos pecados e a justificação, mas
vai além para levar o crente para “perto”
de Deus em paz (Ef 2:13). W. Kelly disse: “A reconciliação, portanto, é um
termo de rico significado, e vai muito além do arrependimento ou fé,
vivificação ou justificação” (Notes on
the Second Epistles to the Corinthians, pág. 114). Esse é o lado de Deus
nesse grande assunto.
b) Reconciliação
para o gozo do crente em Deus (Rm 5:10-11)
Essa
passagem apresenta a reconciliação sob a perspectiva do crente e mostra o que
Deus fez para satisfazer sua condição como tendo se desviado para longe d’Ele.
Como “inimigos” de Deus, os homens
têm inimizade e maus sentimentos para com Deus. Seus maus sentimentos são
produzidos pela sua má-consciência que os condena como pecadores. Dá-lhes uma
sensação de terem feito errado, e isso os incomoda a respeito de terem que se
encontrar com Deus. Assim, sua consciência trabalha para mantê-los à distância
de Deus.
Apesar
de tal condição prevalecer sobre a raça humana, Deus Se empreendeu em removê-la
e a trazer os homens (crentes) de volta para Si. O quinto capítulo de Romanos
mostra que Deus, em graça, deu o primeiro passo para a reconciliação do homem.
Ele teve que fazer o primeiro avanço, porque o homem, deixado sozinho em
sua condição caída, nunca faria um movimento em direção a Deus. Assim, Deus
provou o Seu amor para com o homem, ao prover um sacrifício pelo pecado, e isso
foi feito a um grande custo para Ele mesmo (Rm 5:8).
Paulo
continua dizendo como Deus remove a
inimizade no coração de um pecador – é por meio da “morte de Seu Filho” (v. 10). Nessa passagem, o apóstolo enfatiza o
grande amor de Deus pelo homem – tão grande que Ele mesmo daria Seu próprio
Filho para levar os homens de volta para Si mesmo! Note que não diz a morte “de
Cristo”, mas a morte de “Seu Filho”.
Isso enfatiza a afeição que existia em Seu relacionamento com Seu Filho. Deus
tinha apenas um Filho, e Ele O amava profundamente, mas estava disposto a dá-Lo
para salvar os pecadores! Portanto, o custo desse sacrifício para Deus é
incalculável!
Quando
este grande fato – que Deus ofereceu Seu muito amado Filho para trazer os
homens de volta para Si mesmo – atinge o coração do pecador pelo poder do
Espírito, o coração desse homem é profundamente tocado. Então, conhecendo que a
disposição de Deus tem sido para com ele o tempo todo (mesmo que tenha abrigado
maus pensamentos para com Deus) é mais do que o seu coração possa suportar. O
amor e a compaixão de Deus tanto apertam seu coração que a inimizade que uma
vez habitou ali é totalmente dissipada. Todos os seus maus sentimentos e ódio
são removidos de uma vez de sua alma, e “o
amor de Deus é derramado” em seu coração pelo Espírito (Rm 5:5, 8). Assim,
seus pensamentos para com Deus são todos mudados, e Seu Filho, que Se entregou
para tornar isso possível, Se torna a Pessoa mais maravilhosa e atraente para
ele.
Ao
receber a Cristo como Salvador, o coração do crente, que estava uma vez cheio
de pecado e pensamentos errados para com Deus, está agora cheio de paz e amor,
para que ele possa se gloriar “em Deus”
(v. 11). Ele já se sentiu desconfortável com o pensamento de encontrar-se com
Deus, mas agora ele está confortável em Sua presença e, na verdade, se deleita
em estar aí. Em relação com esse aspecto da reconciliação, J. N. Darby
observou: “Sinto-me em casa com Deus. Todos os Seus sentimentos graciosos são
para comigo, e eu sei disso, e meu coração é trazido de volta a Ele”.
Regozijar-se “em Deus” é a atitude
adequada ao crente. Seu coração está afastado de si mesmo, e exulta naquilo
que possui em Deus e em Cristo.
Em
Romanos 5:11, na versão inglesa King James, diz que o crente recebe “a expiação”,
mas isso é um erro de tradução; deve se ler “a reconciliação”. Na salvação de homens e mulheres, Deus recebe a
propiciação porque o pecado afrontou a Sua santidade, mas nós recebemos a
reconciliação. Assim, Paulo diz: “agora
temos recebido reconciliação” (v. 11 – TB). Isto indica que é um fato
consumado; não é algo que estamos esperando para receber quando o Senhor vier.
c) Reconciliação entre judeus
e gentios no corpo de Cristo (Ef 2:11-16)
Esse
aspecto da reconciliação tem a ver com a desavença que tem existido na raça
humana por milhares de anos entre judeus e gentios. Na grande obra de
reconciliação, os homens não são apenas reconciliados a Deus, mas também uns
com os outros no corpo de Cristo.
O
assunto na epístola aos Efésios tem a ver com o grande plano de Deus para
mostrar a glória de Seu Filho no céu e na Terra no reino milenar vindouro, por
meio de um vaso de testemunho especialmente formado – a Igreja, que é o corpo e
a noiva de Cristo. Neste segundo capítulo, vemos Deus salvando os pecadores
dentre os judeus e os gentios e reunindo-os na Igreja. Seu desejo é que eles
possam habitar juntos em uma unidade prática agora neste mundo antes que o
reino milenar seja estabelecido, e assim dar testemunho do fato de que eles são
um só corpo em Cristo. O problema é que tem havido uma animosidade e um
preconceito de longa data entre aqueles a quem Deus escolheu para fazer parte
desta companhia especial de crentes. Fazer com que os judeus e os gentios
habitem juntos é, humanamente falando, impossível. Apesar disso, Paulo mostra
que a grande obra de reconciliação a Deus é tal que remove esse obstáculo.
Nessa
passagem, Paulo explica como isso é feito. Tanto os judeus como os gentios
precisam da reconciliação – não somente a Deus, mas também uns para com os
outros. Os gentios estão “longe” de
Deus (v. 13), mas os judeus também estão “longe
de Deus” (Mt 15:8). Mas Paulo diz: “Porque
Ele (Cristo) é a nossa (dos judeus e gentios) paz, o Qual de ambos os povos fez um” O aspecto da “paz” que Paulo menciona aqui é a paz racial. É um dos três aspectos da paz
relacionados com a posição do crente em Cristo – aspectos esses que pertencem
aos crentes no momento em que são salvos e selados com o Espírito (Veja: Paz). Deus estabelece
essa paz racial entre aqueles que creem pela “anulação” (JND, e não “desfazimento” ou “abolição” como em algumas
versões) do que deu causa à inimizade entre judeus e gentios – “a lei dos mandamentos, que consistia em
ordenanças”. A Lei de Moisés não foi abolida; ainda tem sua “aplicação” para os que estão na carne,
mostrando-lhes que são pecadores (1 Tm 1:9-10). Mas para aqueles que creem, e
assim fazem parte dessa nova e celestial companhia (a Igreja), ela é “anulada”.
A
inimizade foi anulada pelo fato de Deus tirar os judeus e gentios “para fora” de suas antigas posições “na carne” (At 15:14, 26:17),
tornando-os membros do corpo de Cristo (1 Co 12:12-13). Assim, Ele removeu a
distinção entre judeus e gentios. Aqueles que fazem parte dessa nova companhia
não são nem judeus, nem gentios (Gl 3:28; Cl 3:11). Para eles, a parede de separação
que estava no meio, foi derrubada, e Deus fez dos dois “um novo homem”. O “novo
homem” é Cristo (a Cabeça no céu) ligado aos membros do Seu corpo na Terra
pela habitação do Espírito. Por isso, no novo homem, já não existe o judeu nem
o gentio, e com eles a inimizade que já existiu desaparece!
d) Reconciliação
anunciada ao mundo (2 Co 5:18-21)
Essa
passagem mostra que depois que Deus reconcilia os crentes Consigo mesmo, Ele os
usa como instrumentos para anunciar a verdade da reconciliação ao mundo. Isso é
feito pela pregação do evangelho. Efésios 2:17 diz que o Senhor “evangelizou a paz, a vós que estáveis
longe (gentios) e aos que estavam
perto (judeus)”. Podemos nos
perguntar como o Senhor poderia estar pregando na Terra quando Ele voltou para
o céu? Mas esse fato apenas ilustra a grande verdade do “novo homem”. Cristo está pregando ao mundo hoje por meio dos
membros de Seu corpo (Compare At 9:4).
Esses
versículos em 2 Coríntios 5 mostram que Deus estava trabalhando para trazer o
mundo (pessoas) de volta a Ele mesmo pelo ministério do Senhor Jesus quando Ele
estava aqui na Terra. Esses versículos também mostram que essa obra foi
transmitida aos apóstolos e aos outros trabalhadores Cristãos no tempo da ausência
de Cristo. Seu ministério era “buscar e
salvar o que se havia perdido” (Lc 19:10). Assim, como Paulo diz: “Deus estava em Cristo, reconciliando
Consigo o mundo”, e acrescenta: “Não
lhes imputando os seus pecados”. Isso significa que o Senhor não condenou
os pecadores com os quais Ele interagiu (Jo 3:17, 8:11). No entanto, apesar de
todo o amor e bondade mostrados por meio do ministério do Senhor, todos O
rejeitaram, menos um remanescente de crentes – Sua missão aos pecadores pareceu
em vão (Is 49:4).
Agora
que Cristo foi retirado deste mundo pela morte, Paulo diz: Deus confiou “a nós
a palavra da reconciliação”. O “nós”
aqui, em primeiro lugar, se referia aos apóstolos, mas também inclui outros
trabalhadores Cristãos que atualmente estão envolvidos na obra do evangelho. É
chamada de “a palavra” da
reconciliação porque tem a ver com a comunicação da verdade do evangelho, e
fazemos isso usando palavras. Paulo disse: “somos
embaixadores da parte de Cristo, como se Deus por nós rogasse. Rogamos-vos pois
da parte de Cristo que vos reconcilieis com [a – JND] Deus”. Por
isso, somos pessoas reconciliadas em um mundo não reconciliado, anunciando uma mensagem
de reconciliação. A história de Mefibosete ilustra (em figura) a verdade da
reconciliação (2 Sm 9).
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Há
um aspecto da reconciliação de pessoas que é puramente uma coisa exterior; isso
não significa que todos os que são reconciliados são salvos (Rm 11:15). Esse
aspecto da reconciliação tem a ver com Deus trazendo o mundo dos gentios para
um lugar de proximidade relativa Consigo mesmo, neste dia da graça. A rejeição
do evangelho por Israel e o fato de que, por consequência, a nação tenha sido
colocada de lado temporariamente, abriram uma tremenda oportunidade para os
gentios hoje – pois que o evangelho foi enviado a todo o mundo. Assim ela tem
sido chamada de reconciliação “provisional” ou “dispensacional”. Como
mencionado, isso não significa que o mundo inteiro tenha sido salvo e
reconciliado no sentido em que já consideramos, mas que o privilégio de ser
abençoado por crer no evangelho foi estendido a eles. Portanto, o mundo dos
gentios é visto como estando próximo a Deus neste presente dia, enquanto Israel
é deixado de lado. É uma proximidade relativa
a Deus.
2) Reconciliação
de todas as coisas
A
segunda parte da reconciliação tem a ver com as coisas criadas. Isso acontecerá
no dia vindouro em que a Divindade irá “reconciliar
todas as coisas Consigo mesma” (Cl 1:20 – JND).
Em
Colossenses 1:16, Paulo diz que “todas
as coisas têm sido criadas por Ele e para Ele” (JND). O grande propósito da
criação é, em última instância, para Deus que a criou (Ap 4:11). No entanto,
uma vez que a criação foi manchada pelo pecado, para que Deus possa ter prazer
nela, deve ser libertada da “servidão da
corrupção” (Rm 8:21-23). Só então poderá ser usada devidamente para o
propósito para o qual Deus a criou – para ser o palco no qual manifestará a
glória de Seu Filho.
Toda
a criação (céu e Terra) foi afetada pelo pecado e está contaminada. Tudo deve
ser trazido de volta ao seu adequado relacionamento com Deus. A criação mais
baixa atualmente está sofrendo sob os efeitos do pecado e precisa ser redimida
– libertada (Ef 1:14). Mesmo que a criação não tenha se afastado de Deus por
sua própria vontade (Rm 8:20), ainda assim está contaminada e precisa ser
purificada (Jó 15:15, 25:5). Pela virtude do sangue de Cristo, Deus pode, e
vai, no dia vindouro, efetuar a purificação da criação (Hb 9:23). Ele tirará a
criação material das mãos dos homens pecadores e a libertará para o uso de
Deus. Na Aparição de Cristo, Deus libertará a criação de sua escravidão e então
começará a reconciliar todas as coisas criadas Consigo. Essa obra não estará
completa até que todo traço de pecado na criação tenha desaparecido – o que não
será atingido até que o Estado Eterno comece e tudo seja feito novo.
Note
que enquanto Colossenses 1:20 diz que “todas
as coisas” serão reconciliadas, não diz que todas as pessoas serão
reconciliadas. Isso mostra que a vontade do homem pode resistir à graça de
Deus. Todos os que não crerem na “palavra de reconciliação” terão seu fim em uma eternidade perdida. Não há
reconciliação para seres infernais – o diabo e seus anjos, e homens incrédulos.